17 setembro 2007

Madrugadas devolvidas



Faz já algum tempo que perdi as madrugadas. Tinha-as guardadas numa caixa de madeira escura, sarapintada de pequenas chapinhas em bronze, arestas limadas e três palavras escritas, com a ponta dos dedos para que mais ninguém as lêsse, num canto da tampa: “madruga em mim”...

Estas palavras por alguma razão perderam-se por caminhos que desconheço. Procurei-as no outro dia nas gavetas, nas prateleiras mais altas, atrás dos livros e até mesmo no sótão, onde o pó esconde as memórias de uma forma tão densa que são normalmente esquecidas mesmo para não se voltarem a encontrar. Mas em todo o lado, nem sinal das três palavras, nem da caixa, nem de nada que se pudesse parecer com um gesto de passado ainda por recuperar. Encontrei um pequena chapinha de bronze, que vim a descobrir depois ser a capeça de um pequeno prego que colava duas partes de uma moldura, onde dentro havia uma fotografia de alguém que já me é desconhecido.

Mudei de casa, mudei de espaço, conheci gente nova, desatei elos antigos, recriei momentos novos e nunca chegou a passar por mim, nem uma sombra das inúmeras madrugadas que tinha outrora desenhado. Deixei de me lembrar do cheiro da urze e do rosmaninho, troquei-os pela carqueja e as folhas de eucalipto, desconheci o sabor do mar e a sua côr, ou até o fraco calor do sol, quando vermelho se deitava sobre o mar. Ainda me lembro, embora vagamente, da púrpura do céu, quando o sol nasce ainda antes da lua se deitar, mas perdi esse sentimento. Ri-me de já ter chorado, tive vergonha das horas passadas a fio, à espera daquele momento que parecia nunca chegar, em que o céu, o mar, os montes, a lua, a estrela vénus e o sol, se uniam por breves minutos, como se o dia acabasse e começasse mesmo alí, para todos os seres. E eu, era apenas mais um deles, pequenino no mundo, mas orgulhoso de ter a capacidade de o apreoveitar sem perder um segundo, sem perder um único pormenor daquela imensidão. Deixei de me lembrar de mim, do meu amor por mim...

E então a noite chegou de mansinho, sem eu me aperceber que o sol já estava para trás dos montes e dos rios, que se tinha feito ao desconhecido dando o seu lugar a uma lua esplendorosa sobre o Ceira. A fresca brisa que me ajeitava o cabelo acordou-me deste sonho profundo e um calor desconhecido inundou-me o corpo. A respiração estava presa, o coração batia como um tambor num festejo de equinócio, onde o povo dançando, não pensava na dor, não sentia o frio, não olhavam uns para os outros, porque nestas noites, sabemos que há só um ser... O sangue corria-me nas veias e eu sentia!

Os meus olhos fitavam o rio daqueles outros olhos, sem conseguir deixar de pensar de onde tinha nascido este gesto.

Estava preso e não sabia como me soltar. Via de cima o meu corpo flutuando, em direcção a tudo o que eu não queria naquele momento, por medo, por ansiedade, ou paixão. Mas tinha medo do que me seduzia, daquela voz que corria sobre as pedras redondas, sobre o musgo embalando os peixes, cultivando ventos, desvastando o vazio de que tanto me orgulhava.

Sem conseguir mover um dedo que fosse, sustendo a respiração para não afugentar aquela sensação de impotencia, tão doce, deixei-me levar, pelo canto de uma sereia, ninfa do rio, senhora que nos rouba a alma e me devolve as madrugadas.

Créditos: Madrugada em Mim

06 setembro 2007




Foto: Olhares.com

04 setembro 2007


Não abro mão de nenhum Amigo...







...mas ter uma Amiga assim não tem preço...

Bendito o dia em que eu te conheci... ...Te adoro!

Foto: Olhares.com